JP Morgan, Haleon, JTI e Shell são algumas das que estão aumentando o tempo de licença-parental como estímulo à carreira feminina e apoio a casais homoafetivos
Há um ditado, muito repetido hoje em dia, de que é necessário uma aldeia para se criar uma criança, uma ideia que algumas empresas agora estão começando a aplicar. A partir deste ano, grandes companhias, como a petrolífera Shell, a farmacêutica Haleon, a JTI, do mercado de tabaco, e o banco JP Morgan estão entre as que vêm ampliando a ideia de licença-maternidade para licenças parentais no país.
Na Haleon, desde janeiro a licença parental passou para seis meses remunerados, para pais ou mães, independentemente de ser um filho biológico ou adotivo, estendida para os 22 mil funcionários da companhia de tabaco. Otávio Ferraz, gerente da empresa, foi um dos primeiros a optar pelo benefício. “Há 5 anos, minha esposa teve uma complicação no parto e meu primeiro filho ficou internado, o meu tempo de licença-paternidade terminou no mesmo dia em que voltamos para casa com um bebê que precisava de cuidados”, conta.
Idevane Bides, gerente de trade marketing da farmacêutica, está em processo de adoção com o companheiro. “Como um casal homoafetivo, nenhum de nós poderia estar em casa para acolher essa criança que resolvemos adotar s não fosse a licença parental”, diz o executivo.
A partir de 1º de abril, todos os funcionários do JP Morgan terão a licença parental remunerada de, no mínimo, 16 semanas (abrangendo cuidados primários e não primários, maternidade, paternidade, adoção) para o nascimento ou guarda da criança.
100% de adesão à licença-paternidade
A Shell estendeu recentemente a licença-paternidade (licença parental) remunerada de 20 dias para 8 semanas (56 dias corridos). O benefício vale para todos os seus funcionários, independentemente de gênero, orientação sexual e estado civil. Inclui pais biológicos, pais adotivos, ou a parte do casal designado a receber a licença-paternidade, no caso de parceiros do mesmo gênero. Esse período pode ser dividido em 20 dias após a data de nascimento ou da adoção, enquanto os outros 36 dias restantes podem ser tirados durante os primeiros 12 meses da criança, uma maneira mais contemporânea de usar as licenças e que alguns países europeus começam a experimentar. “Começamos em janeiro e já tivemos 100% de adesão ao benefício entre os elegíveis”, diz Cleber Lourenço, diretor de RH da empresa.
Por lei, as mulheres têm de 120 a 180 dias de licença-maternidade (para empregadores inscritos no Programa Empresa Cidadã, criado em 2008 em troca de benefícios fiscais às empresas). A lei prevê mais 15 dias de licença para as mães que amamentam. Quando voltam ao trabalho, elas podem ter dois descansos de 30 minutos cada por dia de trabalho para amamentar até que a criança complete 6 meses.
Já os pais tem direito a uma licença de cinco dias, um benefício previsto por lei a trabalhadores com carteira assinada e servidores públicos. O afastamento pode ser estendido para até 20 dias no caso de Empresa Cidadã.
Na JTI, quando se trata de casais LGBTQIAP+ ou quando o casal é formado por dois funcionários, o benefício considera 20 semanas de licença ao cuidador primário e 4 semanas para o secundário. A empresa ficou entre as 10 primeiras colocadas no ranking Top Employers, publicado pela Forbes, que escolheu os melhores empregadores do Brasil.
“Não sei como passamos por isso, nas outras vezes, sem a licença parental”, diz Diego Cerda, vice-presidente da Pampers e da Always, marcas da P&G. Com quatro filhas, o executivo destaca a importância da extensão da sua licença depois do nascimento da sua última filha – Filipa, de três meses – para a adaptação ao novo cotidiano. Alguns meses antes, Cerda se mudava para o Brasil do Panamá com sua esposa grávida e as três meninas para a assumir o novo cargo. A P&G é uma das empresas pioneiras na extensão da licença parental no Brasil e tem o benefício desde 2020.
Impacto sobre carreira feminina diminui
A mudança que essas empresas vêm implantando tem grande impacto na representatividade nas corporações e no desenvolvimento das carreiras femininas em qualquer área. Um estudo da McKinsey concluiu que, quando a licença-paternidade é integrada à cultura da empresa, ela tende a favorecer a ascensão profissional da mulher. “A iniciativa equipara as relações dentro e fora do ambiente profissional”, diz Marta Martins, diretora do RH da Haleon.
De acordo com o Women in the Workplace, da McKinsey e LeanIn.org, as mulheres estão deixando seus empregos e buscando mais apoio e flexibilidade. Nesse sentido, para reduzir o burnout entre as profissionais que são mães, seus companheiros precisam assumir responsabilidades da casa e com os filhos. Segundo o estudo, homens que tiraram a licença relataram um menor nível de estresse das companheiras, que também puderam voltar mais cedo ao mercado de trabalho.
Outro aspecto importante é que pais podem assumir o cuidado com uma criança e serem menos afetados do que suas companheiras, sugerem alguns dados. De acordo com uma pesquisa de Ipsos Mori publicada na Inglaterra em 2018, 3 em cada 10 mulheres acham que a licença-maternidade teve um impacto negativo em sua carreira. Entre os homens, só 13% notou o mesmo impacto após tirar a licença-paternidade.
Filhos ganham quando pais tiram licença
Um estudo da Universidade de Oslo, na Noruega, descobriu que a licença-paternidade melhorou o desempenho das crianças durante o ensino fundamental. Meninas, especialmente, são as mais beneficiadas quando o pai também tira licença. Descobriu-se também que, quando as responsabilidades de cuidar dos filhos recaem exclusivamente sobre as mães, o efeito é a redução dos salários delas e, consequentemente, da renda familiar. Quando os homens assumem mais responsabilidades no cuidado dos filhos, o efeito sobre o salário é mais suave.
Mas, apesar do relativo avanço que ocorreu com as mudanças na legislação e apoio governamental, a maioria das empresas ainda tem realidades bem distintas. A disparidade entre o tempo de licença da mãe (120 a 180 dias) e do pai (5 a 20 dias) como regra geral do mercado de trabalho causa impactos nas carreiras das mulheres, na distribuição do trabalho doméstico e no cuidado com o bebê. “Quando os pais estão envolvidos desde o início, isso gera um padrão de maior envolvimento que permanece e gera igualdade”, afirmou à Forbes o professor Gayle Kaufman, do Davidson College.
Relatório da McKinsey mostra que licenças parentais mais igualitárias impactam positivamente não só o colaborador, que pode passar mais tempo com seu filho, mas também na relação com as parceiras, que recebem mais suporte na recuperação do parto e no cuidado com o bebê.
Um estudo publicado em 2018 pelo Jacobs Institute of Women’s Health nos Estados Unidos, mostrou que tirar ao menos 12 semanas de licença-maternidade reduz a incidência de depressão pós-parto, melhora o desenvolvimento emocional das crianças e facilita o retorno ao trabalho das mulheres, uma vez que os bebês e família estão mais adaptados à nova rotina.
Europa dita tendências com licença parental
O termo licença-parental (e não licença-maternidade) já é amplamente utilizado em países da União Europeia, onde cada um dos cuidadores da criança têm direito a pelo menos quatro meses de licença a partir do nascimento ou da adoção dela pelas leis.
De maneira geral, os pais não podem transferir o benefício ao outro, com a exceção de alguns países que permitem essa flexibilidade, e podem utilizá-lo a qualquer momento, até a criança completar oito anos – limite que pode ser menor de acordo com a legislação do país.
De acordo com relatórios do World Policy Analysis Center e da International Labour Organization, 115 países ofereciam licença-paternidade remunerada, representando 63% dos países ao redor do mundo. Os EUA são um dos poucos lugares do mundo em que não há esse benefício e as empresas decidem como lidar. Algumas grandes companhias que brigam para manter os jovens e bons funcionários oferecem o benefício. Uma das melhores nesse sentido é a Netflix, onde pais e mães têm entre quatro e oito meses de licença paga (ou até mais, se requerido).
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